Pergunta: COMO ADVOGADO QUE VOCÊ TAMBÉM É, GOSTARIA DE SABER A SUA OPINIÃO SOBRE A UNIÃO DE HOMOSSEXUAIS SEGUNDO RECENTE DECISÃO DO TRIBUNAL, E A POSIÇÃO DA IGREJA. Grato. Diac. Lando Kroetz.
Resposta: Caro irmão Diác. Lando.
O tema é bastante polêmico e mesmo entre juristas as opiniões divergem. Já para a Igreja (Católica), o seu ponto de vista sempre foi conhecido com relação a qualquer tentativa de convivência entre homossexuais que possam transparecer uma sociedade conjugal.
Primeiro, a decisão do STF não abriu espaço para casamento. Apenas reconheceu a união estável entre homossexuais (relação homoafetiva).
Equivale dizer que assim como homem e mulher não casados entre si, tendo uma união duradoura são considerados como “entidade familiar” na forma do artigo 226 § 3º da Constituição Federal, os homossexuais com união estável, também.
Passaram, então, os “conviventes” homossexuais a terem direito a pensão alimentícia um do outro e a sucessão hereditária (Lei nº. 8.971/94). Também lhes assiste: I - respeito e consideração mútuos; II - assistência moral e material recíproca; III - guarda, sustento e educação dos filhos comuns, e propriedade dos bens adquiridos por um ou por outro na constância da união estável e a título oneroso como fruto do trabalho e colaboração comum salvo estipulação contrária em contrato escrito,etc. (Lei 9.278/96).
A decisão que provocou celeuma recebeu o seguinte voto do Exmo.Ministro Relator:
“...No mérito, julgo procedentes as duas ações em causa. Pelo que dou ao art. 1.723 do Código Civil interpretação conforme à Constituição para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”, entendida esta como sinônimo perfeito de “família”. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas conseqüências da união estável heteroafetiva” (grifei).
O artigo 1.723 do Código Civil diz que “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família” (grifei).
No meu modesto conhecimento como advogado, tudo esbarra nas expressões contidas nas legislações como, v.g, “entre homem e mulher”, “filhos comuns”, ”prole”, “companheiro de mulher solteira”, “companheira de homem solteiro”, facilitação para a “conversão da união estável em casamento”, que se encontram nas legislações e, data vênia, não trazem dúvida dos seus destinatários homem e mulher.
O próprio artigo 1.723 é taxativo: “entre homem e a mulher”.
Veja, a decisão, depois de teóricos conceitos, mandou excluir qualquer outra interpretação que “impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”, entendida esta como sinônimo perfeito de “família” (grifei).
Ora, como aplicar aos homossexuais a idéia de “filhos em comum”, prole, transformação de união em casamento? E nas expressões “companheiro de mulher solteira”, “companheira de homem solteiro”, não pressupõem “homem com mulher solteira” e “mulher com homem solteiro”? Naturalmente que os aspectos legais são mais abrangentes dependendo de cada caso concreto. Mas não podem modificar radicalmente o seu significado primeiro.
Portanto, o que antes se entendia ipsis litteris como entre o homem (masculino) e a mulher (feminino), não é mais só assim, estendendo-se a interpretação para também como entre homem e o homem, e mulher e a mulher. Foi aberta uma exceção à regra.
Veja: a lei não foi alterada. O STF apenas deu uma nova interpretação (?).
Não entro no mérito dos argumentos da fundamentação apresentados pelo ilustre Ministro Relator. Contudo, respeitosamente, discordo da conclusão. Mas como dura lex, sed lex, juridicamente, consummatum est, em que pese entender, assim como muitos colegas, de que competia ao Congresso Nacional através de lei fazer as alterações.
De momento, então, juridicamente, nada se pode fazer em sentido contrário. Enquanto isso, o acórdão tem força de lei.
Ressalvo que o meu entendimento não se trata de preconceito quanto ao homossexual. Mas uma opinião sobre a razoabilidade ou não de formar entre eles entidade familiar (ou até de família) à luz do direito e da religião.
Religiosamente falando, e como cristão, entendo que não apenas a Bíblia, mas o Magistério da Igreja ensina que a união que constitui uma família é entre homem e mulher e suas extensões nas ordens ascendentes, colaterais e descendentes. A essa regra não fogem outras denominações cristãs e possivelmente algumas não cristãs também.
Repito: A polemica decisão não estabeleceu possibilidade de casamento entre homossexuais (embora indiretamente tenha despertada a idéia), mas alguns direitos e deveres entre os ”conviventes” como uma “sociedade de fato”, “estável”, agora reconhecida legalmente.
A Igreja continua independente com sua doutrina cristã, competindo-lhe doutrinar seus fiéis a respeito do assunto com liberdade de consciência religiosa e direito democrático, e levantar o debate a todo o povo como gesto da sua missão evangelizadora. E aos que são católicos, resta-lhes procurar cumprir os preceitos.
O risco, digamos assim, dos caminhos abertos pelo v. acórdão, nos chama a refletir sobre os lógicos argumentos atribuídos ao advogado da CNBB manifestado antes da decisão, de que “poderia beneficiar pessoas que praticam a poligamia e o incesto”. Já, em sentido contrario, destaco o perigo que tem o argumento esposado pelo advogado do governo do Rio, em plenário, de que “Qualquer maneira de amar vale a pena. Ninguém deve ser diminuído nesta vida por seus afetos”, pois não é bem assim e faz justificar e tornaria aceitável, por exemplo, os desvios da fidelidade como romances extraconjugais, com menores, etc. etc.
Concluo, irmão, como você sabe, que as decisões da Igreja Católica obrigam tão somente os católicos. Contudo, dela não se retira o direito de proclamar a todos os seus entendimentos sobre qualquer tema seguindo os princípios evangélicos: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15).